Anti-inflamatórios, esportes de longa duração e rabdomiólise

Rhabdo_me

Inspirado pela leitura de uma repostagem do site do Yuri, resolvi contar sobre uma experiência que tive e falar um pouco sobre a rabdomiólise, uma doença chata e que não tem absolutamente nada a ver com o rabo de ninguém (questionamento da minha tia).

Durante a maratona do Ironman Cozumel de 2015, percebi que estava urinando sangue, apesar de estar me sentindo bem. Ao parar na tenda médica para perguntar se eles sabiam o que eu tinha e o que eu deveria fazer, mediram minha pressão: 90/60. Pensei: “Ih, desidratei”. Meu normal é 120/80 e nas condições de calor extremo da prova, poderia bem ser isso.

Após não ouvir dos enfermeiros palavras como “pare” e  “imediatamente”, resolvi continuar a prova (não façam isso em casa, crianças), baixar meu ritmo de corrida e reidratar com isotônicos, carboidratos e água disponíveis nos postos de hidratação.

Finalizei a prova e, como de praxe, após a linha de chegada, um staff da prova praticamente me deu um mata-leão, caminhando ao meu lado para garantir que eu estava realmente bem e não apenas eufórico pela chegada, caindo duro depois de andar mais 50 metros. Confidenciei à staff ao meu lado que estava bem, porém havia urinado sangue durante a prova. Dito isso, fui imediatamente levado à tenda médica, enfiado no soro e levado para o hospital, onde passei a noite em observação, a base de soro, muito líquido e diuréticos. Nada de pizzas da Domino’s e todo o tipo de guloseimas que serviram após a linha de chegada. A suspeita era de rabdomiólise.

Mas que diabos é essa tal de rabdomiólise?

É uma doença causada pela liberação de “restos” musculares na corrente sanguínea. Ela acontece geralmente em casos onde há o paciente sofre um trauma severo, como um acidente de carro ou desabamentos/terremotos. Pacientes com abuso de álcool ou outras drogas também podem apresentar sintomas. O extremo da rabdomiólise é a perda da função renal por conta do aumento das substâncias musculares no rim, o que pode bloquear os túbulos renais.

Mas… Peraí. Por que um atleta de longa distância teve isso?

Essa é a outra parte da história. Um evento de longa distância como uma ultramaratona ou um Ironman (e até provas mais curtas, para pessoas menos treinadas que resolvem se “aventurar” e exageram na intensidade) gera um desgaste muscular enorme. Isso acarreta lesões que liberam produtos que estavam dentro das células musculares para a corrente sanguínea, entre eles a mioglobina, que o rim não curte muito. Outros fatores que agravam o quadro durante um esporte de longa duração são:

  1. Desidratação que acarreta em redução de fluxo sanguíneo corporal e, consequentemente, menor fluxo para os rins;
  1. Erros na estratégia de alimentação/suplementação: em provas de longa duração, o esgotamento de glicogênio muscular e de glicose no sangue com a continuação do exercício podem levar a quebra de músculo (através da liberação de hormônios catabólicos) para serem utilizados como fonte de energia e;
  1. Por último, e não menos importante: a mania que muitos amigos e atletas de endurance tem (eu incluso, e a partir de agora é tinha) de tomar anti-inflamatórios durante a prova para aliviar dores ou prevenir dores musculares. O problema nem é tanto o anti-inflamatório (é sim, mas isso fica pra outro post), mas a escolha de um tipo específico deles: Ibuprofeno.

O Ibuprofeno, desde a sua bula, já informa que pode causar “insuficiência renal em pacientes desidratados”. Adicione à receita um esporte de longa duração, a redução da função renal durante o exercício intenso prolongado e a tonelada de mioglobina circulando na corrente sanguínea, agite por algumas horas e plim! Você ganha de brinde uma noite no hospital sendo tratado para rabdomiólise.

O tratamento para a rabdomiólise, se feito imediatamente, costuma não causar sequelas e consiste de aplicação de solução salina (soro) intravenal, ingestão absurda de líquidos e administração de diuréticos para diluir a mioglobina no sangue e estimular os rins com a produção e liberação de urina. Dependendo do estado do paciente, procedimentos mais drásticos, como hemodiálise ou uma cirurgia para “desentupir” podem ser aplicados. Sorte que não foi o meu caso.

Ainda sobre a rabdomiólise: o professor Reinaldo Tubarão fez um ótimo artigo para o papo de esteira explicando em detalhes algo que meu nível de conhecimento atual só permite compreender (e também não vale ficar replicando algo que já está bem escrito lá). Vale o link e a leitura. E, ao contrário de mim, sigam à risca a recomendação número 13. Uma prova (por mais importante que seja) não vale seus rins.

Até a próxima!

Jandoza.

 

Inspiração:

http://4×15.com.br/hipertrofia-sabia-que-tomar-anti-inflamatorio-depois-treino-pode-prejudicar-seus-resultados/

Fontes:

http://www.papodeesteira.com.br/colunistas/nutricao-treinamento/rabdomiolise-o-fantasma-que-assombra-os-atletas-de-ultraendurance/

http://www.webmd.com/a-to-z-guides/rhabdomyolysis-symptoms-causes-treatments

http://www.ultrarunning.com/features/running-rhabdomyolosis-and-renal-failure-whos-at-risk/

http://www.endurancecorner.com/Larry_Creswell/NSAIDs

 

Imagem que ilustra o post por Aquapatmedia (Own work) [CC BY-SA 3.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)%5D, via Wikimedia Commons

Anti-inflamatórios, esportes de longa duração e rabdomiólise

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